Um Thriller Psicológico Difícil de Engolir
Devorar (Swallow, 2019) é um thriller psicológico de 2019 escrito e dirigido por Carlo Mirabella-Davis, estrelado por Haley Bennett, Austin Stowell, Elizabeth Marvel, David Rasche e Denis O’Hare. Sua estreia mundial aconteceu no prestigiado Tribeca Film Festival em 28 de abril de 2019, mas o público geral só pôde conferir o filme no início de 2020.
Com uma abordagem única e profundamente perturbadora, Devorar (Swallow, 2019) mergulha nas complexidades do controle, do isolamento e da luta pela autonomia. É um filme que desafia os limites do espectador ao explorar temas como saúde mental, trauma e opressão doméstica, entregando uma narrativa impactante e simbólica.
Uma Jornada de Aparências e Controle
Hunter (Haley Bennett) parece viver o sonho de muitas pessoas: casada com um marido aparentemente perfeito e grávida de seu primeiro filho, ela habita uma casa impecável e leva uma vida que, na superfície, é tranquila e confortável. Contudo, sob essa fachada de felicidade idealizada, Hunter está sufocada pelas expectativas rígidas impostas por seu marido controlador e pelos sogros opressivos.
Conforme a pressão se intensifica, Hunter desenvolve um hábito perigoso: o desejo compulsivo de engolir objetos não comestíveis. Esse comportamento, conhecido como alotriofagia, funciona como um grito silencioso de Hunter em busca de autonomia e significado. Através dessa compulsão, segredos obscuros de seu passado começam a vir à tona, conduzindo o espectador por uma jornada emocionalmente intensa.
Difícil de Digerir (Literalmente)
Devorar (Swallow, 2019) não é um filme fácil de assistir, especialmente para aqueles que são sensíveis a questões relacionadas à saúde mental ou ao comportamento da protagonista. Ele aborda o transtorno de forma visceral, mas não se limita a isso. A alotriofagia, nesse caso, é uma metáfora poderosa para algo maior: a necessidade de controle em uma vida onde tudo parece decidido por outros.
O filme transcende a mera exploração do transtorno ou de um relacionamento abusivo. Ele se transforma em uma alegoria sobre o controle dos corpos femininos e o impacto da opressão em sua autonomia. É sobre como mulheres são silenciadas, invalidadas e obrigadas a se adequar a padrões que muitas vezes ignoram suas vontades e necessidades.
Hunter não é apenas uma vítima; ela é uma mulher em busca de significado, tentando preencher os vazios criados pelas expectativas externas. Ao longo do filme, acompanhamos sua jornada de emancipação – um processo doloroso, mas essencial, de reconexão consigo mesma e com sua história.
Uma Performance Inesquecível: Haley Bennett
A atuação de Haley Bennett é o coração pulsante do filme. Ela entrega uma performance extraordinária, equilibrando fragilidade e força em uma personagem que transita entre o desespero silencioso e a determinação crescente.
Seu olhar vazio e sua postura contida no início do filme contrastam com a transformação gradual que ocorre conforme Hunter começa a enfrentar seus medos e traumas. Haley carrega a narrativa de forma poderosa, tornando impossível não se envolver emocionalmente com a história de sua personagem.
O diretor Carlo Mirabella-Davis acerta em cheio na construção do thriller, enquanto a diretora de arte Erin Magill e a diretora de fotografia Katelin Arizmendi entregam uma experiência sensorial impecável. A utilização estratégica de reflexos não apenas amplifica a melancolia e o isolamento de Hunter, mas também dá vida a um mundo onde tudo é meticulosamente perfeito e organizado. A casa, com sua estética fria e milimetricamente planejada, torna-se um reflexo da opressão que cerca a protagonista.
Há uma sensualidade subjacente nas transições de Hunter, com um cuidado estético tão meticuloso que até os objetos ensanguentados se encaixam nos planos frios e elegantes, intensificando o desconforto. Essa combinação entre beleza visual e desconforto emocional cria uma atmosfera comparável ao suspense sensorial de Suspiria ou ao neon hipnotizante de Demônio de Neon. É uma narrativa feita para quem tem estômago forte, mas também para aqueles que apreciam a perfeição visual.
Curiosidades
- Recepção Crítica Positiva
No Rotten Tomatoes, o filme possui 87% de aprovação, com uma média de 7,4/10 baseada em 130 avaliações. O consenso crítico destaca a abordagem não convencional do filme sobre o tédio e a opressão doméstica, elogiando a narrativa bem construída e o desempenho marcante de Haley Bennett. - Uma Metáfora Poderosa
Embora alotriofagia seja o comportamento central da protagonista, o diretor Carlo Mirabella-Davis revelou que não queria fazer um filme médico sobre o transtorno. Em vez disso, ele utilizou a condição como uma alegoria para explorar temas mais amplos, como a luta por controle e a opressão patriarcal. - Inspiração Pessoal
O diretor se inspirou na vida de sua avó, que viveu uma existência marcada por pressões sociais e familiares. Nos anos 1950, ela foi institucionalizada por comportamento “impróprio” e submetida a eletrochoques. Essa experiência influenciou Mirabella-Davis a criar um filme que explora as consequências da opressão sobre as mulheres. - Estética e Atmosfera
A direção de arte é impecável, com cada cena contribuindo para a sensação de aprisionamento e desconforto. A casa de Hunter, com sua decoração perfeita e limpa, é quase um personagem à parte, simbolizando o controle e a rigidez que sufocam a protagonista. - Prêmios e Reconhecimento
Além de sua estreia em Tribeca, Devorar (Swallow, 2019) foi exibido em outros festivais de cinema e recebeu prêmios por sua narrativa única e direção. Ele se tornou um marco para o diretor Carlo Mirabella-Davis, consolidando-o como uma voz inovadora no cinema independente.
Cenas Impactantes e Reflexões Sem Spoilers
O filme contém cenas que podem ser desconfortáveis de assistir, especialmente aquelas que mostram o comportamento compulsivo de Hunter. Contudo, essas cenas nunca são gratuitas; cada momento contribui para o desenvolvimento da personagem e para a construção de sua jornada emocional.
Além disso, Devorar (Swallow, 2019) levanta questões importantes sobre saúde mental, controle social e os desafios enfrentados pelas mulheres em ambientes opressivos. Ele não oferece respostas fáceis, mas convida o espectador a refletir sobre as pressões culturais e pessoais que moldam nossa identidade.
Recomendo ou não recomendo?
Devorar (Swallow, 2019) é um filme que desafia convenções e aborda temas complexos com sensibilidade e profundidade. Ele não é apenas um thriller psicológico; é também uma análise provocativa das dinâmicas de poder, das expectativas de gênero e da luta por liberdade pessoal.
Embora seja uma experiência difícil, é também incrivelmente recompensadora. Para aqueles que estão dispostos a enfrentar os desconfortos que ele apresenta, Devorar (Swallow, 2019) oferece uma narrativa rica e uma performance inesquecível de Haley Bennett.