Terror Folclórico e Reflexões Sobre o Machismo
Men (2022), dirigido por Alex Garland, é uma obra que não apenas faz um mergulho no terror psicológico, mas também explora com maestria a mitologia folclórica para abordar questões contemporâneas como o machismo e o abuso de poder.
Garland, que já nos entregou filmes marcantes como Ex Machina (2014), Aniquilação (2018) e O Extermínio (2002), apresenta aqui uma trama perturbadora e densa, com camadas de significado que vão além do simples horror, desafiando o espectador a refletir sobre o impacto do poder patriarcal na vida das mulheres.
Um Refúgio Que Se Torna Um Pesadelo
O enredo de Men (2022) gira em torno de Harper (interpretada por Jessie Buckley), uma mulher que, após vivenciar um evento traumático, decide se afastar da agitação de Londres e buscar refúgio em uma isolada vila no interior da Inglaterra.
Sua intenção é encontrar a paz em um cenário rural, longe de tudo o que a lembra da tragédia que a marcou. No entanto, o que ela encontra é bem diferente do que esperava. A tranquilidade da vila logo dá lugar a uma série de acontecimentos bizarros e desconcertantes.
A presença de um ambiente aparentemente idílico se dissolve quando a protagonista começa a perceber que, por trás da fachada pacata, existe uma teia de abuso psicológico e físico. Men (2022) nos conduz, assim, a uma jornada de opressão crescente, onde o desconforto torna-se uma constante e o real e o sobrenatural se misturam de maneira angustiante.
Mitologia e Simbolismo
Men (2022) se destaca como uma obra de terror folclórico, um subgênero que usa elementos do folclore, da religião e da cultura para criar narrativas densas e simbólicas.
- O Green Man e a Mitologia Pagã
Um dos principais símbolos do filme é o Green Man, uma figura da mitologia pagã europeia que representa a renovação, o ciclo da natureza e a conexão entre o humano e o natural. Ele aparece frequentemente em igrejas medievais e obras de arte, retratado como um rosto cercado ou formado por folhas e galhos.
No contexto de Men (2022), o Green Man é usado como uma metáfora para a relação entre masculinidade, poder e destruição, além de explorar temas como fertilidade e renascimento. Para quem não está familiarizado com essa mitologia, o filme pode parecer um pouco confuso, mas uma pesquisa rápida sobre o tema pode enriquecer muito a experiência.
- Cristianismo e Paganismo
Além do Green Man, o filme mistura elementos pagãos e cristãos para construir sua atmosfera. Há referências visuais a figuras como Adão, Eva e a Serpente, ligando a narrativa à ideia de culpa e punição, que permeiam tanto o trauma de Harper quanto as interações entre os personagens.
Uma Experiência Sensorial e Visual
Ao contrário de muitos filmes de terror, Men (2022) se destaca pela sua cinematografia contemplativa. Garland opta por planos longos que criam uma sensação de isolamento, enquanto a natureza ao redor de Harper parece quase viva, como se fosse uma entidade observando suas ações.
O uso do som é igualmente impactante: sons naturais, como o eco da voz de Harper ou os sussurros da floresta, amplificam a tensão e aumentam a imersão, tornando o ambiente tão aterrorizante quanto os próprios eventos sobrenaturais.
A atuação de Jessie Buckley é outro destaque do filme. Ela consegue equilibrar momentos de vulnerabilidade com uma força inabalável, refletindo a luta de sua personagem para superar o trauma e a opressão.
Rory Kinnear, que interpreta diversos homens da vila, também brilha em seu papel, trazendo uma inquietante sensação de que todos os homens, de alguma forma, representam o mesmo padrão de opressão e abuso.
Muito Além do Terror
Em um nível mais profundo, Men (2022) vai além do simples horror psicológico e nos oferece uma análise penetrante sobre as várias facetas do machismo. Através de interações aparentemente cotidianas entre Harper e os homens da vila, o filme revela as sutilezas e as brutalidades das dinâmicas de poder que afetam as mulheres em nossa sociedade.
O abuso psicológico e físico é retratado com um realismo perturbador, e cada encontro de Harper com os homens da vila é uma reflexão sobre o controle e a violência disfarçada de autoridade.
Além disso, Men (2022) explora o impacto duradouro do trauma, mostrando como a culpa e a dor moldam a percepção da protagonista sobre si mesma e sobre o mundo.
A natureza cíclica da violência é outro tema central: como o Green Man simboliza o ciclo de renascimento e morte, o filme sugere que os padrões de abuso e machismo se repetem constantemente ao longo das gerações.
O Clímax (Sem Spoilers)
O clímax de Men (2022) é um dos momentos mais memoráveis e divisivos do cinema contemporâneo. A sequência final, que mistura terror visual e simbólico, desafia as convenções do gênero e provoca discussões sobre seu excesso ou genialidade. O impacto que essa cena causa é inegável – seja pelo desconforto, fascínio ou ambos, ela marca o espectador de forma profunda.
Comparações e Inspirações
- Midsommar (2019)
Assim como o filme de Ari Aster, Men (2022) mistura terror psicológico com folclore europeu, criando uma narrativa visualmente rica e simbolicamente densa. - O Homem de Palha (1973)
A atmosfera rural e os temas de paganismo lembram o clássico britânico, onde o terror vem tanto da comunidade quanto do ambiente. - Anticristo (2009)
O uso de imagens perturbadoras e a exploração do trauma e da culpa ecoam o trabalho de Lars von Trier, embora Garland adote uma abordagem menos explícita e mais metafórica.
Por Que Assistir a Men?
Men (2022) não é um filme fácil. Ele exige atenção, paciência e uma mente aberta para apreciar sua narrativa simbólica e suas camadas de significado. Com atuações impressionantes, direção impecável e uma combinação única de terror psicológico e folclórico, Men é uma obra que permanecerá com você muito depois dos créditos finais.
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